quinta-feira, 1 de maio de 2014

VENTILADOR VERSUS PROFISSIONAL DE SAÚDE VERSUS PACIENTE, HORA DE CONVERSARMOS

MUITO INTERESSANTE: VALE A PENA LER:

Ventilador versus profissional de saúde versus paciente, hora de conversarmos!
Possivelmente não.
Autores:
Nathalia Parente,
Fisioterapeuta, Mestranda em Ciências Médicas no Laboratória da Respiração, Resplab, da Universidade Federal do Ceará (UFC) 

Marcelo Alcantara Holanda,
Prof Associado de Pneumologia e Terapia intensiva da Universidade Federal do Ceará (UFC)
Idealizador da Plataforma xlung para ensino da VM

Talvez seja até assustadora essa afirmativa, mas é essa a verdade. Não só subutiliza-se, como frequentemente se manuseia de forma inadequada as suas principais funcionalidades. Quando não são exploradas as possibilidades de uso correto de um equipamento de suporte à vida, pode-se causar sérios danos à saúde do paciente, justamente aquele que mais deveria ser beneficiado pela ventilação mecânica (1) . 
Alguns estudos já foram realizados avaliando a usabilidade desses equipamentos e percebe-se cada vez mais que há muitas limitações quanto à ergonomia e à qualidade da interface do ventilador mecânico com os usuários (2,3). 
Analisando dados relacionados dos danos causados por ventiladores mecânicos aos pacientes, encontram-se índices altos de eventos adversos, e até mesmo de óbitos decorrentes de problemas no suporte ventilatório. Nos Estados Unidos da América (EUA), somente em 2013, foram reportados 14 óbitos causados diretamente por ventiladores mecânicos naquele país, conforme dados levantados na plataforma MAUDE (Manufacturer and User Facility Device Experience) do FDA (Food and Drug Administration). Os números aumentam bastante quando se considera lesões não fatais causadas pelo ventilador: 946 relatos de eventos adversos somente no ano passado (dados não publicados) (4). No nosso país não dispomos de dados similares de registro, o que sem dúvida é bastante preocupante.
Em 2002, uma comissão sentinela alertou que 87% dos casos de lesão e morte relacionados ao uso dos ventiladores mecânicos seriam evitáveis (5). 
Cabe questionar: o que leva a essa má utilização dos ventiladores mecânicos de UTI pelos profissionais que lidam com estes equipamentos?
O principal fator deve-se a problemas com a interação homem-máquina, ou seja, a maneira como uma pessoa lida e interage com um determinado equipamento. Outro ponto essencial é o que se denomina de usabilidade.
Segundo a International Organization for Standartization (ISO 9241) (6), a usabilidade é definida como uma medida pela qual um produto pode ser manejado por usuários específicos para alcançar determinados objetivos com efetividade, eficiência e satisfação em um contexto real. Essa medida pode ser entendida como a qualidade da interface de um equipamento com o seu usuário (7). 
No campo da ventilação mecânica, os usuários específicos, conhecidos também como primários, são todos os profissionais de saúde que lidam com os ventiladores mecânicos em UTIs. Já os secundários são aqueles que usam esse equipamento para outra finalidade que não o suporte ventilatório em si. Veja o quadro abaixo.
Como abordar esse importante e complexo problema?
Talvez, o primeiro passo seria uma melhor unificação dos conceitos e da linguagem utilizada na ventilação mecânica. O “ventilês” não é fácil mesmo. Apesar de muitos profissionais sentirem-se familiarizados com as nomenclaturas existentes, há uma necessidade de padronização da taxonomia utilizada, bem como uma melhor classificação e descrição dos modos ventilatórios e seus respectivos ajustes (8,9).  Além disso, deveria existir um padrão de organização das interfaces e da tela do ventilador que permitissem o seu manuseio por qualquer profissional de saúde com experiência e conhecimento básico em ventilação mecânica, independente da marca ou do modelo de equipamento utilizado (2). 
Sabe-se que a memória de trabalho do ser humano é limitada e reconhece-se que a quantidade de variáveis fisiológicas e funções apresentadas nas telas dos ventiladores de última geração são claramente excessivas. Isso resulta em uma grande carga cognitiva sobre o usuário, o que pode comprometer o processo de análise e tomada de decisão em situações críticas, induzindo ao erro (10). A percepção por boa parte dos profissionais de uso inadequado dos alarmes do ventilador no dia-a-dia das UTIs é de senso comum e corrobora esta ideia.
Outro passo importante é a realização de testes de usabilidade durante o desenvolvimento das interfaces dos ventiladores. Essas devem ter seu planejamento e desenho norteado pelos conceitos e vivências dos usuários primários. O idealizador e o fabricante do ventilador mecânico deveriam fundamentar o processo de criação dos equipamentos nas necessidades e experiências dos usuários. Dessa forma, fabricariam aparelhos de melhor usabilidade, mais amigáveis e eficientes do que os atuais.
Por último, teríamos como terceiro passo rumo ao melhor uso do suporte ventilatório, o treinamento direcionado para os profissionais de saúde, desde a graduação até os níveis mais elevados de especialização. Abordagens com base em simulação podem ser uma excelente alternativa neste ínterim. Tanto a simulação virtual, quanto aquela com ventiladores e manequins, ampliam as condições para ensino do tema ventilação mecânica, ao mesmo tempo em que oferecem mais segurança, satisfação e eficiência no processo ensino-aprendizagem (11-13). 
Estudos preliminares têm demonstrado ser possível e benéfica a aproximação entre usuários e fabricantes/desenvolvedores de ventiladores mecânicos, mas há de se reconhecer que estamos apenas no início deste processo (14,15). 
Cabe ainda refletir: nem tudo que é fácil e agradável de usar torna-se de fato útil. Ser útil pressupõe não apenas a disponibilização dos recursos tecnológicos necessários à sua finalidade, mas também uma adequada acessibilidade e uma boa usabilidade. Em outras palavras, o ventilador mecânico será plenamente útil somente quando associar utilidade à usabilidade.

Este é o desafio contemporâneo que se impõe aos fabricantes e aos usuários dos ventiladores mecânicos, todos no fundo fazem parte do mesmo time que tem por meta salvar vidas quando elas mais estão ameaçadas.

Referências
1 RICHARD, J.C.M.; KACMAREK, R.M. ICU mechanical ventilators, technological advances vs. user friendliness: the right picture is worth a thousand numbers. Intensive Care Med. v. 35, p. 1662–1663, 2009.
2 LAURENCE, V.; DIDIER, T.; PHILIPPE, J. Evaluation of the user-friendliness of seven new generation intensive care ventilators. Intensive Care Med. v. 35, p. 1687–1691, 2009.
3 GONZALEZ-BERMEJO, J.; LAPLANCHE, V.; HUSSEINI, F.E.; DUGUET , A.; DERENNE, J-P.; SIMILOWSKI, T. Evaluation of the user-friendliness of 11 home mechanical ventilators. Eur Respir J. v. 27, p. 1236–1243, 2006.
4 MANUFACTURER AND USER FACILITY DEVICE EXPERIENCE. Food and Drug Administration. United States of America. Disponível em: . Acesso em: 20 de fevereiro de 2014.
5 JOINT COMMISION. Preventing ventilator-related deaths and injuries. Sentinel Event Alert. v. 25, feb, 2002.
6 ISO 9241. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. Ergonomia de Softwares para Escritórios. 1993.
7 HIX, D.; HARTSON, H.R. Developing user interface, ensuring usability through product & process. New York. John Wiley & sons, Inc. 1993.
8 CHATBURN, R.L.; VOLSKO, T.A.; HAZY, J.; HARRIS, L.N.; SANDERS, S. Determining the Basis for a Taxonomy of Mechanical Ventilation. Respiratory Care. v. 57, n. 4, april, 2012.
9 CHATBURN, R.L. Classification of Ventilator Modes: Update and Proposal for Implementation. Respiratory Care. v. 52, n. 3, march, 2007.
10 COWAN, N. The magical number 4 in short-term memory: A reconsideration of mental storage capacity. Behavioral and Brain Sciences, v. 24, n. 3, p 87-185, 2001.
11 HOLANDA, M.A.; FILHO, M.L.; REIS, R.C.; RANGEL, D.; ALCANTARA, D.M.; OLIVEIRA, N.H.; MARINHO, L.S.; DONATO, E.; CORTEZ, P.C. Efficacy of a computer simulator program (xLungTM) for teaching mechanical ventilation in complex clinical scenarios to medical students. Am J Respir Crit Care Med. v. 185, n. 1(Meeting Abstracts), p. 1610A, 2012. doi: 10.1164/ajrccm-conference
12 TEIXEIRA, I.N.D.O.; FELIX, J.V.C. Simulation as a teaching strategy in nursing education: literature review. Interface - Comunicação, Saúde, Educação. v. 15, n. 39, p. 1173-1183, 2011.
13 DOMURACKI, K.J.; MOULE, C.J.; OWEN, H.; KOSTANDOFF, G.; PLUMMER, J.L. Learning on a simulator does transfer to clinical practice. Resuscitation, n. 80, p. 336-349, 2009.
14 KATRE, D.; BHUTKAR, G.; KARMARKAR, S. Usability Heuristics and Qualitative Indicators for the Usability Evaluation of Touch Screen Ventilator Systems. IFIP AICT, v. 316, p. 83–97, 2010.
15 HOLANDA, M.; DE SOUSA, N.P.; SALES, R.P.; LONARDONI, J.; BONASSA, J. Heuristic Evaluation of ICU Mechanical Ventilators: A New Methodology for the Design of User Centered Interfaces. Chest. v. 144, n. 4(Meeting Abstracts), p. 544A, october, 2013. doi:10.1378/chest.1704584


FONTE:  RETIRADO DO SITE :www.xlung.net